quarta-feira, 22 de maio de 2013

COSMOLOGIA BAKAIRI/ EDIR PINA DE BARROS

POVO BAKAIRI. O cosmos - organizado por Kwamóty e seus netos, Xixi e Nunâ - é concebido em várias camadas que se encontram na linha do horizonte. Existem duas terras, uma côncova e outra convexa, sendo uma o molde negativo da outra, cada qual com seus rios e águas subterrâneas. Contendo as águas subterrâneas da terra de cima existiria uma redoma, um imenso guarda-chuva, cujas bordas são mantidas presas às extremidades desta terra por imensos sapos míticos. Entre essa redoma e esta terra fica o ar necessário à vida. O sol e a lua, onde foram residir Xixi e Nunâ, respectivamente, movimentam-se de tal forma que, quando nesta terra é dia, na outra é noite e vice-versa. Essas camadas são interligadas por caminhos invisíveis que somente os xamãs podem ver e percorrer. Outrora essas duas terras eram interligadas por um tipo de escada que Kwamóty deixara para que eles, os Bakairi primordiais, pudessem em ambas transitar. Como passaram a fazer "fuxicos" entre si e entre as duas terras - causando rupturas na sociedade em formação - ele a cortou, ocasionando um dilúvio, do qual se salvaram apenas dois pares de irmãos. As duas terras distanciaram-se mais, o sol e a lua se encontraram. O eclipse de sol é tido pelos Bakairi como prenúncio de retorno ao caos. Kwamóty controlou o caos colocando a referida redoma, mas abandonou-os à própria sorte. Eles passaram a conhecer a dor, a doença, a morte e a luta pela sobrevivência. A estrutura do universo se define com a morte, pois a terra em que viviam não aceitou que se enterrassem nela os seus mortos. Kwamóty, num derradeiro gesto, inverte a posição das duas terras. Com ela entra em circulação a mais temida das forças cósmicas: os iamyra. Cada pessoa que morre libera dois iamyra: um que sai pelo olho esquerdo, que vai habitar os rios desta terra, onde controla os tutores sobrenaturais das espécies de peixes, de animais aquáticos, de aves ribeirinhas; outro que sai pelo olho direito e vai residir na outra terra, sendo hierarquicamente superior a todos os demais sobrenaturais, pois presidem os ciclos naturais - inclusive as estações do ano - e a ordem cósmica. São duas estações do ano: kopâme, o "tempo das águas" (meados de setembro a meados de abril) e âdâpygume, o "tempo da seca" (meados de abril a meados de setembro). Há, ainda, duas sub-categorias que denominam kopâme ipery e âdâpygume ipery, respectivamente o "início das águas" e o "início da seca". Tempo e espaço se relacionam através do ciclo de uma substância vital denominada ekuru. Presente em todos os seres vivos, inanimados e animados, é obtida através de alimentos, fazendo-se presente no sangue. Sem ela o sangue - yunu - coagula, sobrevindo a morte. Tal substância é eliminada através de líquidos, resíduos, secreções e excrementos corporais que, em contato com a terra, é reprocessada pelos vegetais. Na sua forma livre e pura, somente os vegetais a contêm. No intervalo que vai do contato com a terra ao reprocessamento, toda ekuru que é eliminada mantém consigo as propriedades daquele que a expeliu. No caso da pessoa humana, das unhas e cabelos cortados, das fezes, do cuspe "levantam kadopy", que são semelhantes a ela porém sobrenaturais. Seus lugares preferidos são as casas abandonadas, os lugares sombrios. Aparecem aos vivos, assustando-os, o que provoca desmaios e doenças. Os terrenhos kadopy, que são resíduos dos resíduos corporais, têm existência efêmera , ao contrário dos iamyra, que são essência. Infestações de kadopy e de iamyra, poluem o espaço, tornando-o inóspito, insalubre. E esta é uma das razões da sua dispersão e da sua mobilidade. Na estação das chuvas, dada a grande umidade reinante, a ekuru penetra mais rapidamente no solo, que se reabilita.Já na estação da seca, a falta de umidade imprime no ciclo da ekuru uma grande lentidão. Apenas nas margens dos rios e riachos seu ritmo é mais acelerado, o que resulta em um terreno mais fértil, menos poluído, mais adequado à vida. Assim eles explicam a existência de diferentes domínios espaciais que denominam iduanary e pojianary, "região de mata" e "região de capim", respectivamente. Da mata e dos rios é que eles extraem, fundamentalmente, a ekuru necessária à vida. Os Kurâ-Bakairi só se alimentam de vegetais e de animais vegetarianos ou essencialmente vegetarianos, desprezando os carnívoros. Nas matas ciliares praticam a agricultura e caçam sempre em grupo. Devido aos perigos a elas associadas, é vedada a presença de pessoas do sexo feminino, antes da terra ser preparada para o plantio. Dentre esses periogos destaca-se Ynhangõnrom, monstruoso sobrenatural, "senhor" das matas, que possui um enorme peito que aperta, jorrando um leite mortal naqueles que a depredam. Ele tem por ajudante Karowi, um pequeno, porém horrendo ser. Nas matas mais fechadas pode-se encontrar os iamyra que nelas buscam abrigo quando surpreendidos nesta terra pelo dia. Nas roças e capoeiras também pode-se encontrá-los, pois sentem saudades dos "parentes", dos lugares onde viveram e trabalharam. O contato com esses sobrenaturais é fonte de desequilíbrios bio-psíquicos e de morte iminente. Pronunciar os nomes dos mortos significa evocá-los, o que deve ser evitado, até que sejam recolocados em circulação. Cada espécie de animal tem o seu "senhor", ser sobrenatural que a tutela e que se volta contra aqueles que cometem excesso. Um ente maléfico, Kilâino, faz os caçadores perderem-se nas matas.Associados ao domínio aquático, existem muitos sobrenaturais. Além dos "senhores" de cada espécie de peixe, de animal aquático e de ave ribeirinha, tem-se pakororo, enorme onça branca e sobrenatural que vira as canoas dos pescadores, bem como poro tapekéim, imenso e monstruoso peixe que pode virar as canoas e engoli-los vivos. Há, ainda, uma legião de seres sobrenaturais com formas humanas, denominados kurâmã. Dentre os sobrenaturais relacionados a esse domínio, os Bakairi temem mais os iamyra subaquáticos, que podem assumir formas de peixe. Diante de tantos perigos, o domínio aquático é essencialmente masculino. Autoria: Edir pina de Barros

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